No país do futebol, jogadores de grandes times são os homens que os meninos querem ser, são os modelos copiados à exaustão: cortes de cabelo são reproduzidos assim que suas imagens aparecem na TV, sites e redes sociais; os movimentos em campo, cada drible, cada firula, cada jeito de celebrar os gols. Tudo isso inspira meninos de diferentes idades, que querem se vestir à maneira desses jogadores, fingem ter seus carros e celulares.
Eles imitam tudo, querem ser esses homens.
Nos últimos anos, tem sido cada vez mais constante sabermos de acusações de violência doméstica, violência sexual e violência física que pairam sobre jogadores de futebol. No Brasil, notícias como essas têm o poder de preencher todos os telejornais, programas de televisão, rádio e internet. À medida em que se esmiuçam as acusações e os fatos, declarações dos jogadores insinuam e, muitas vezes, afirmam a culpa das mulheres: segundo eles, foram elas que provocaram sua ira ou desejo, elas que utilizavam roupas provocantes, elas que beberam além da conta e que assumiram o risco.
Essas e outras declarações que responsabilizam a vítima pelas violências que sofreram fazem parte da cultura do estupro, que coloca os homens no lugar de seres incontroláveis e não responsáveis pelos seus atos, pois estariam sempre agindo com base num poder que lhes foi conferido de dominar corpos e vidas de mulheres – e que elas, sabendo dessa realidade, deveriam se cuidar, manterem-se ocultas, submissas ou aceitar o risco.
A cultura do estupro presente no Brasil é responsável por 500 mil casos de violência sexual por ano, conforme dados da Plan International, e ainda traz as condições ideais para que ocorram um estupro a cada oito minutos segundo o Anuário da Segurança Pública lançado essa semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Há um modelo de masculinidade que sustenta essa cultura: a masculinidade hegemônica, que se constitui principalmente em torno da violência e tem na agressividade a principal forma de expressão e linguagem. Há anos os movimentos de mulheres e feministas vêm denunciando essa masculinidade, apontando que não, homens agressores não são seres incontroláveis. É a certeza da impunidade e da culpabilização das vítimas que fortemente alimenta a violência.
Eu me pergunto aqui o quanto os clubes de futebol e os jogadores são responsáveis pela manutenção da cultura do estupro.
Quando um clube de futebol ignora graves acusações de violência de gênero que atravessam a carreira dos atletas e insistem em sua contratação, dão uma prova inconteste de que “tudo bem violentar meninas e mulheres”. Quando os clubes não sancionam e os atletas não são impactados por medidas que os responsabilizem por pronunciamentos e posturas sexistas, a mensagem final é a de que esses comportamentos são socialmente aceitos e constituem o conjunto das características de um jogador de sucesso. E essas são as informações que os meninos recebem.
Meninos aprendem que além de todas as habilidades com a bola, de todos os penteados outfits descolados, ser um jogador também inclui poder violentar mulheres, ser um jogador também inclui tecer comentários machistas e assumir posturas profundamente misóginas. “E está tudo bem”. Quando clubes e imprensa minimizam esses atos, precisam estar cientes de que no país com um estupro a cada oito minutos essa jamais deveria ser a educação.
Esses jamais deveriam ser os modelos para os meninos apaixonados por futebol.