Ao começar o ensino fundamental, Liz teve que encarar um momento muito difícil: foi separada das melhores amigas, que sempre estudaram com ela. “Depois do primeiro dia de aula, ela entrou no quarto e chorou copiosamente. Ela me explicou que, por mais que ainda visse as amigas nas atividades extras, não podia ficar junto com elas o período todo. Perguntei se queria trocar de turma, e ela disse que não, que precisava chorar e amanhã estaria melhor”, conta a mãe, Vanessa Paganini. O que Liz experimentou nesse dia tem gosto amargo, mas faz parte da vida: a frustração.
O sentimento incômodo que aparece quando algo não sai como esperado começa no nascimento. O feto acostumado ao confortável ambiente intrauterino, onde todas as necessidades são atendidas, vê-se, de repente, em um mundo totalmente diferente. O choro é a sua primeira forma de comunicação e traduzirá muita frustração, principalmente ao alcançar dois ou três anos, quando os pequenos começam a se enxergar como indivíduos. É a partir dessa faixa etária que pais e cuidadores podem ensinar as crianças a lidarem com esse sentimento tão importante.
O grande ‘não’ do mundo
Educar uma criança para compreender a frustração também é uma forma de ajudá-la a enfrentar as adversidades da vida. “É fundamental que os adultos façam a mediação das situações vivenciadas pelas crianças, sejam elas positivas ou negativas, para que possam entender que nem sempre as respostas que queremos são aquelas que o mundo oferece”, explica a professora, doutoranda em Educação e coordenadora do curso de Pedagogia da Estácio Interlagos (SP), Fernanda Arantes. “Se os pais não souberem fazer as crianças lidarem com esse sentimento, com certeza a frustração será maior, o que pode transformá-las em adultos que não conseguem receber um ‘não’ como resposta.”
“Não dá para ter tudo na vida”. Talvez essa frase esteja na lista das mais faladas pelos pais. Vanessa, mãe da Liz e também do Luiz, 13, sempre teve o cuidado de ensinar aos filhos o valor das coisas e a administrarem suas frustrações. “Eu procuro respeitar o momento e a dor deles, pois precisam extravasar esse sentimento. Somente depois eu começo a conversa”, conta. O que Vanessa faz é o que os especialistas mais recomendam.
“É preciso deixar a criança sentir a frustração para criar formas de lidar com ela”
A biologia por trás da frustração
A frustração estimula a produção de hormônios de estresse, tornando as pessoas mais reativas, defensivas e menos capazes de pensar com clareza. Em uma situação assim, os pais precisam ficar calmos, caso contrário, não conseguirão ajudar. Quando o pequeno está no ápice da emoção, é melhor esperar passar para depois conversar.
“A criança precisa sentir-se segura para que o cérebro saia do sistema de alarme e, assim, comece a pensar com clareza”, afirma Adriana Drulla, mestre em Psicologia Positiva.
“Lembre-se de acalmar seu filho, conectar-se com ele e depois ajudá-lo a refletir sobre como pode agir da próxima vez”
Após todos estarem calmos e conectados, os adultos podem conversar juntos com a criança sobre outras formas de lidar com a frustração. Como respirar nas horas da raiva ou bater o pé no chão em vez de bater nos outros. Ensaiar essas estratégias pode auxiliar o pequeno a memorizar ações para usá-las em momentos similares.
Cuidado com a rotina
A especialista recomenda também que os pais ou cuidadores fiquem atentos a circunstâncias que podem favorecer uma reação mais exagerada. “Sabemos que a fisiologia tem uma grande influência nas emoções. Por exemplo, o cansaço torna as crianças mais reativas, além de prejudicar o aprendizado e a capacidade de sustentar a atenção. Então, é fundamental estabelecer uma rotina que inclua horas adequadas de sono, alimentação equilibrada e exercício físico para melhorar o humor e a capacidade de autocontrole”, detalha Adriana. Vale ressaltar que as atividades para crianças precisam ser lúdicas e divertidas: pular corda, brincar de pega-pega, fazer gincanas e toda brincadeira que movimente o corpo também é uma forma de exercício físico na infância.
Outro caminho poderoso para ajudar as crianças a passarem por esse turbulento sentimento é o exemplo. “As crianças aprendem mais com o que veem do que com o que escutam. Então, se os pais buscam ficar calmos e encontrar soluções quando se sentem frustrados, os filhos aprenderão a fazer o mesmo. Por outro lado, se batem a porta, gritam ou culpam o outro, eles seguirão o exemplo”, orienta.
Escola da vida
É quando começa a vida escolar que a criança realmente tem mais clareza de que não é o “centro do mundo”. Ela precisa lidar com coleguinhas de classe completamente diferentes, acostumar-se a novas regras – que podem ser mais rígidas do que em casa – e começa a se enxergar como um sujeito na sociedade.
“O papel dos educadores, nessas situações de frustração, é acolher os sentimentos da criança, escutando-a e conversando sobre isso. Com o tempo, ela consegue aprender a lidar com as emoções, reagindo de outra forma”, explica Fernanda.
O que os pais e educadores devem tentar evitar, ao máximo, é adotar atitudes que impeçam qualquer tipo de frustração – ou superproteger, em outras palavras. “Impedir que a criança se frustre não é saudável, já que ela precisa encontrar mecanismos para lidar com as situações que lhe causam este sentimento”, recomenda a pedagoga.
Sociedade menos frustrada?
Será que o contexto social está favorecendo a dificuldade das crianças em lidarem com a frustração? “A sociedade hoje é muito mais midiática e imediatista, não dando oportunidade para crescimento, desenvolvimento e amadurecimento em seus ritmos regulares”, avalia a pedagoga Fernanda Arantes.
“Cobramos muito mais das nossas crianças, ao mesmo tempo em que oferecemos mais estímulos do que antigamente”
Já a especialista Adriana Drulla lembra que a falta de prática tem muito a ver com essa dinâmica. “Temos poupado nossos filhos do desconforto e não permitimos que eles fiquem entediados, mas isso tudo é necessário. Eles só vão aprender a lidar com as frustrações a partir da exposição e da prática”, diz. Segundo ela, precisamos proteger os pequenos contra o que fere sua capacidade de funcionar no mundo, como a violência e o abuso, mas não dos desafios naturais da vida.
“Temos potencial para enfrentar as mais variadas adversidades, mas se não formos expostos aos desafios, essa potencialidade não se transforma em capacidade”
Em busca de ajuda
Ficar triste ou com raiva faz parte da reação à frustração, porém existem situações – ainda que incomuns – em que pais e cuidadores precisam estar atentos. Se a criança já está com mais de quatro anos e ainda tem reações exageradas e frequentes é importante ficar de olho e buscar ajuda de um especialista, se necessário.
Na maioria das vezes, reações negativas às frustrações são normais e precisam apenas da intermediação dos adultos e de uma boa dose de sensibilidade. “Cada um de nós tem um tempo de reação, para elaborar a questão que desencadeou a frustração. Algo que abala muito uma criança, pode não ser nada para a outra”, explica Fernanda.
A situação que abalou Liz foi contornada. E muito bem. A mãe conseguiu ajudá-la, na época, a elaborar esse sentimento e superar a adversidade. “Expliquei para ela que se a amizade fosse verdadeira, não seria uma troca de sala que a afetaria. Ela chorou horrores, no meu colo, enquanto eu fazia carinho. No dia seguinte, acordou ótima, disse que ia superar, pois tinha outras amigas incríveis e poderia estar com as melhores amigas nos intervalos e aulas de dança”, lembra Vanessa.
Hoje, com 11 anos, Liz ainda mantém amizade com as meninas. “Ela se deu oportunidade de conhecer mais pessoas e tornou-se uma garota muito mais segura, que faz amizade com facilidade”, emenda. O apoio da mãe certamente ajudou Liz, que pode contabilizar duas vitórias: uma inteligência emocional bem desenvolvida e amizades de longa data.
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