Há tempos venho pensando sobre a relação entre eleições municipais, estaduais, federais e os cuidados com as crianças, ou mesmo as concepções de infância que uma sociedade constrói. Aparentemente são temas distintos, afinal as crianças não votam, nem podem se candidatar, sendo um grupo geracional desprovido de poder político em nossa sociedade.
Quando se fala sobre cuidar das crianças destacamos, em geral, a importância dos cuidados pré-natais, o nascimento humanizado, o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, a necessidade da interação social, a importância da qualidade dos espaços de educação infantil e das escolas. Pais e cuidadores buscam informações sobre os melhores brinquedos e brincadeiras, os alimentos mais saudáveis e se instrumentalizam com o que há de mais recente na produção científica sobre desenvolvimento infantil.
No entanto, muitas vezes esquecemos que todas essas dimensões estão absolutamente relacionadas com as políticas públicas e os determinantes sociais e econômicos para o desenvolvimento.
O acesso universal a um sistema de saúde de qualidade, bem equipado e com investimentos adequados é o que garante os cuidados pré-natais, um nascimento seguro e as principais orientações sobre aleitamento, alimentação e desenvolvimento infantil
O acesso (ou não acesso) a creches e a uma educação de qualidade é claramente uma questão política. Investir na ampliação da rede municipal de ensino e/ou na estruturação dos conselhos tutelares é uma decisão política que interfere radicalmente nas possibilidades de desenvolvimento de uma sociedade que efetivamente considera as crianças prioridade absoluta.
Alguns devem pensar que essas são questões que interessam apenas àqueles que não podem pagar por um sistema privado de saúde e ensino. Ledo engano! A pandemia do coronavírus nos mostrou que estamos muito mais conectados do que poderíamos supor. Sem medidas públicas de saneamento básico e de saúde, sem investimento em pesquisas e sem ações articuladas entre os poderes público, municipal, estadual e federal, sofremos ainda mais os efeitos dessa sindemia.
Não é possível construir um mundo perfeito para nossos filhos e nossas filhas se não defendermos todas as infâncias. Um desenvolvimento saudável (e é isso que desejamos para nossas crianças) depende de assegurarmos um conjunto de direitos. Numa sociedade desigual como a nossa, precisamos garantir que as crianças possam ter direito à proteção integral, a despeito dos marcadores de gênero, raça e classe social. Não é possível naturalizar que crianças negras e pobres tenham pior acesso às políticas públicas.
Sabemos que o machismo e o racismo estruturais, que baseiam nossas relações sociais, operam desde a concepção da criança. Se quisermos modificar esse quadro, precisamos ficar atentos às eleições. Os projetos das candidatas e dos candidatos aos diversos cargos políticos devem contemplar as infâncias, bem como as necessidades e especificidades das crianças.
Ao propor melhores cidades, precisam considerar as crianças como sujeitos de direitos, que irão não apenas usufruir desse espaço, mas que podem colaborar para a construção de uma cidade mais lúdica e inclusiva.
Uma cidade boa para as crianças é uma cidade boa para todos e todas
Nesse sentido, defendo que, em paralelo às pesquisas sobre como colocar a criança para dormir ou sobre o melhor método de ensino a ser adotado pela escola, devemos pesquisar sobre aqueles que iremos eleger como nossos representantes. O que propõem para as crianças? Quantas vezes as infâncias e as crianças são mencionadas em seus debates? Quais propostas efetivas são apresentadas pelos candidatos para garantir uma melhor qualidade de vida para as futuras gerações? Vale lembrar que as crianças não são o futuro, são o presente.
Elas querem e precisam de cidades mais bonitas, com mais verde e contato com a natureza, com espaços seguros e acessíveis para as brincadeiras e interações sociais.
As crianças merecem crescer em uma sociedade mais igualitária, em que toda forma de diversidade seja respeitada e que sejam garantidas as condições estruturais para o seu desenvolvimento
Esse é um compromisso que não se restringe aos cuidadores das crianças, afinal elas são responsabilidade da família, do Estado e da sociedade. Nestas eleições, um imprescindível exercício de democracia é considerar a infância e as crianças em primeiro lugar.
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