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À espera da gestação: ‘Eu já estava no meu limite’

Um casal está abraçado, lado a lado. Ela segura um teste de gravidez. Ambos estão com o semblante triste.

A veterinária catarinense Shanaísa Colossi completa mais tentativas de engravidar do que a própria idade. Ela tem 34 anos, sendo os últimos seis dedicados ao desejo de ser mãe. “Como eu tinha uma boa reserva de óvulos, sabia que poderia tentar de forma natural, o quanto meu psicológico permitisse”, relata. Para quem iniciou essa jornada com um aborto espontâneo, passando a tomar dez remédios diferentes e até cinco injeções diárias na barriga, a exaustão física e emocional acabou se tornando o desfecho desse caminho marcado pela dificuldade para engravidar. 

Shanaísa buscou uma, duas, três e já não se lembra mais quantas opiniões de especialistas, chegando a diferentes diagnósticos e sugestões. A cada investigação, um novo problema clínico surgia. Tratou ovário policístico, trombofilia e tentou diferentes maneiras de concepção natural, mas todos os meses resultavam em uma nova bateria de exames, medicamentos, indução de ovulação e agendamento dos dias férteis no calendário. 

“Era um domingo à noite quando minha menstruação veio e eu já estava no meu limite. Liguei para o médico e disse que partiria para a fertilização”

Quando todos os tratamentos se tornaram insuportáveis, Shanaísa buscou uma clínica de fertilização em Passo Fundo (RS), a aproximadamente 150 quilômetros de Concórdia (SC), onde vive. Ela chegou a viajar com frequência, de uma cidade a outra, para ter um acompanhamento médico de sua confiança. Foi esse o caminho que a conduziu à fertilização: 70 óvulos coletados, 20 fertilizados, 8 com divisão celular e 4 considerados bons para seguir em frente. A angústia em relação à espera não foi tão simples quanto o cálculo matemático, mas o procedimento deu certo e, meses depois, os embriões foram implantados. 

Rompendo fantasias

“É preciso romper com as fantasias e expectativas de que a gravidez vai sempre acontecer com naturalidade”

A afirmação é da psicóloga Jaqueline Bussatto, que há anos acompanha casais em processo de reprodução assistida – conjunto de técnicas acompanhadas por especialistas, com o objetivo de tentar viabilizar a gestação. Ela garante que as complicações tendem a crescer com o passar do tempo: para casais sexualmente ativos, é muito mais frequente receber uma notícia de gravidez aos 20 do que aos 40 anos, devido a mudanças uterinas, hormonais, ovulatórias, entre outras alterações fisiológicas. Apesar de ocorrer perda da qualidade seminal nos homens, são as mulheres que acabam assumindo a maior parte da responsabilidade em relação ao sucesso ou, na maioria das vezes, à decepção durante esse processo. 

Enquanto mulheres que não desejam ser mães enfrentam o desafio do julgamento e da cobrança social em torno da escolha – ideia bastante associada ao “dar certo” nas relações -, aquelas que desejam engravidar e não conseguem, mesmo que não seja identificado um problema clínico, acumulam uma série de decepções diante de repetidas tentativas frustradas. “Quando há compromisso entre duas pessoas, existe uma expectativa de que a constituição familiar esteja relacionada a filhos”, observa a psicóloga. 

Ao começar a buscar ajuda especializada, as pressões aumentam. Tanto as mulheres quanto seus parceiros precisam expor a intimidade para iniciar uma investigação. Mas as principais respostas, mesmo antes de uma gestação, recaem sobre o corpo delas: exames invasivos, punções ovulatórias, injeções hormonais e até mesmo intervenções cirúrgicas fazem parte da loteria da fecundação. “Além da pressão psicológica, esses procedimentos passam a ser novos fatores de incômodo e estresse, sobrecarregando as mulheres”, aponta a psicóloga. 

Gravidez inesperada

Pergunte à cabelereira piauense Maria de Lourdes da Silva Pereira, 51 anos, sobre como tudo aconteceu e ela provavelmente não encontrará respostas científicas, mas apelará à própria fé. Pelo menos, este é o fio condutor de sua história, uma linha extensa, mas que termina na cozinha de sua casa com a risada de suas duas filhas à espera do jantar, conduzido pelo pai.

Afinal, durante décadas, ser mãe parecia uma vida distante para Lourdes, que pensou em recorrer à inseminação artificial – procedimento médico que consiste na introdução do sêmen no útero feminino, artificialmente, em laboratório. Ela desistiu da ideia quando se deparou com o alto custo do procedimento.

Arquivo Pessoal

Maria Lourdes da Silva, com as filhas Lorraine Isabele e Letícia: ‘Minhas filhas são tudo para mim’

Em 2011, um encontro mudaria sua vida e a de Edson, seu esposo: a filha Lorraine Isabele, um presente que chegou pelo caminho da adoção“A mãe biológica me disse que teve um sonho comigo, que me entregava uma plantinha e eu cuidava com muito amor”, conta. Três meses depois, o mesmo casal entregaria a menina aos cuidados da cabeleireira, que conclui com alegria o processo de legalização. 

Mas Lourdes não poderia imaginar que o improvável aconteceria aos 46 anos de idade. “Era final de ano e eu estava tranquila no salão, mas percebi que a minha menstruação não tinha descido”, recorda. Foi um exame de sangue que confirmou a chegada de Letícia, a segunda filha. 

Gestação adiada

Seja por instabilidade relacional, fatores de urbanização, entrada das mulheres no mercado de trabalho ou aumento do uso de métodos contraceptivos, o fato é que muitos homens e mulheres estão adiando a opção pela gestação, segundo Jaqueline Bussatto. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de fecundidade em 2018 era de 1,77, o que significa que as brasileiras em idade fértil (15 a 49 anos) tiveram, em média, menos de dois filhos naquele ano. Esse cenário é bem diferente das décadas de 1940 a 1960, em que a média nacional era de seis filhos. 

Se Lourdes trabalhou até o dia do parto sem complicações, esse capítulo da gestação foi mais traumático para Shanaísa, que chegou a ficar sobre cadeiras de rodas, aos cuidados de sua mãe. 

Arquivo pessoal

Com uma gravidez de alto risco, Shanaísa Colossi, precisou ficar em cadeira de rodas a partir da 28ª semana de gestação

A concepção para a veterinária foi um desafio, mas a gravidez de gêmeos não deixou por menos e a rotina se manteve complexa: 14 dias depois da implantação dos embriões no útero, ela teve o primeiro sangramento. Com 21 semanas, as contrações iniciaram e na 28ª, ela descobriu que os bebês estavam abaixo do peso. 

“Apesar de tudo, foi um êxtase, o auge. Eu sabia que tinha duas crianças ali dentro, mas a batalha ainda não estava vencida”

Debilitada, tomando anticoagulantes e com risco de ficar paralítica devido aos procedimentos da cesária, Shanaísa foi acompanhada por duas equipes de especialistas, uma para cada bebê. Com mais de 15 profissionais presentes, a sala de parto virou uma mistura de lotação de emergência e festa de boas vindas a Francesco e Martim que, apesar de terem que encarar a UTI neonatal, não tiveram sequelas, aquilo que ela considera a grande vitória de sua vida.  

Arquivo pessoal

Shanaísa e o esposo Giovanni, com os gêmeos Francesco e Martim, hoje com 2 anos e 4 meses. ‘Apesar de tudo, foi um êxtase’

Acolhimento

“Tem que relaxar, pois vai acontecer na hora certa.” Certamente, este não parece o melhor conselho para oferecer às pessoas que passaram por exames, controle ovulatório, ingestão de medicamentos ou até mesmo intervenções cirúrgicas na tentativa de engravidar. De acordo com a psicóloga Jaqueline Bussatto, quando casais que vivem essa espera procuram a ajuda de amigos, provavelmente não estão em busca de opiniões, já que contam com o apoio de uma rede de especialistas. 

“A melhor forma de apoiar é oferecer presença e escuta, sem negar a situação”, sugere.

Ela observa que, apesar das pressões serem incomparavelmente maiores em torno das mulheres, elas também são quem mais querem compartilhar suas experiências com amigas, familiares ou psicólogos. Já os homens, segundo ela, tendem a reter emoções, uma atitude que pode impactar diretamente a relação. Não à toa, no fim das contas, são elas que aceitam contar e ressignificar, ou mesmo reescrever, com alívio e alegria, suas histórias de dor e vitória.  

Principais métodos para casais com dificuldade em engravidar

Coito programado: considerado de baixa complexidade, consiste no acompanhamento do ciclo menstrual da mulher, por meio de ultrassonografias transvaginais e orientações sobre o momento mais favorável para ocorrência da gravidez. Pode ocorrer em ciclo natural ou estimulado por doses de medicamentos que induzem a ovulação. O homem deve ter análise seminal normal. 

Reprodução assistida: conjunto de técnicas, isoladas ou combinadas, indicadas nos casos em que a gravidez não ocorre de maneira espontânea. Elas podem ser classificadas como homólogas (gametas do próprio casal) e heterólogas (um ou ambos os gametas de um terceiro indivíduo). Entre as principais técnicas e tratamentos utilizados, sempre realizados com acompanhamento médico especializado, estão: 

  • Inseminação Intra-Uterina (IIU): introdução do sêmen no útero feminino, de modo artificial, realizado em laboratório. A fecundação do óvulo ocorre na região da trompa. 
  • Fertilização In Vitro (FIV): os óvulos são fertilizados por espermatozóides em laboratório, in vitro. A técnica já foi conhecida como “bebê de proveta”, realizada pela primeira vez em 1978, na Inglaterra. 
  • Maturação In Vitro de Óvulos (IVM): variante da FIV, consiste na captação de óvulos imaturos (ovócitos) e amadurecimento em laboratório, em meios de cultivo especiais. 
  • Criopreservação (congelamento): utilizada para preservar óvulos, espermatozóides e embriões para uso posterior. 
  • Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (PGD): investiga alterações cromossômicas e genéticas em embriões in vitro, transferindo para o útero materno apenas embriões saudáveis.
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