Um relato compartilhado por uma mãe de quatro crianças pequenas (três meninos e uma menina) sobre a maneira como ela lida com seus filhos quando um bate no outro viralizou e acendeu a polêmica sobre como os pais e responsáveis pelas crianças devem agir nesse tipo de situação (leia aqui o relato, em inglês).
Afinal, devemos ensinar as crianças a bater de volta quando apanham? Qual é o papel do adulto em situações desse tipo?
Sonia Brolio, psicóloga da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo explica que a agressividade é uma forma de expressão de desejos e sentimentos das crianças pequenas: “As brigas, muitas vezes com agressão física, são naturais entre irmãos e entre crianças em geral na primeira infância”.
A especialista ainda acrescenta que os adultos, em geral, são colocados no “lugar de juízes, mediadores do conflito em questão” e que, na opinião dela, é importante que não haja por parte deles uma hipervalorização dessas situações.
“As crianças devem ser incentivadas a dialogar e descobrir que há melhores maneiras de expressar e resolver seus conflitos”
“Quanto mais a criança puder exercitar a autonomia nessas situações, mais terão condições de desenvolver recursos para enfrentar conflitos ao longo de seu desenvolvimento”.
Para Adriana Ramos, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Unicamp, e coordenadora do curso de pós-graduação “A convivência ética na escola”, do Instituto vera Cruz, “o problema não está em ter conflitos e, sim, em como as crianças resolvem”.
A especialista lista alguns princípios básicos para lidar com essas situações:
- Não se combate um ato de agressão com outro ato de agressão, é importante que os adultos deixem claro que isso não é permitido, que respeito é um valor.
- Os sentimentos das crianças devem ser reconhecidos e validados, eles podem sentir raiva, mas devem saber como demonstrar a raiva sem desrespeitar o outro. Sentimentos são aceitos e os atos devem ser contidos.
- Não se deve tirar a criança do conflito e nem resolver por ela, os envolvidos precisam refletir sobre o que aconteceu. Portanto o papel do adulto é fazer boas perguntas e esperar o tempo de resposta das crianças, para refletirem sobre o que ocorreu.
- Não se deve conversar com as crianças quando elas acabaram de brigar, pois não há disposição para a escuta neste momento, é importante que as crianças se acalmem antes, que se converse com cada um dos envolvidos de uma vez e depois em conjunto.
Na Escola Carlitos, em São Paulo, por exemplo, semanalmente professores e crianças (a partir de 5 anos) participam de encontros chamados de ‘Conselho de Cooperação’ nos quais discutem aspectos da vida na escola. “Tais reuniões ensinam os alunos a expressar seus sentimentos e insatisfações por meio da palavra, de forma respeitosa. Além disso, proporcionam a reflexão conjunta sobre as maneiras de se relacionar com o outro”, conta Laura Piteri, Diretora Pedagógica da escola.
“O problema não está em ter conflitos e, sim, em como as crianças os resolvem”
Menino batendo em menina e vice-versa: devemos tratar diferente?
No texto mencionado acima, a mãe afirma que quando os meninos brigam entre si, ela coloca os dois frente a frente e dá uma bronca em ambos. Quando a filha menina está envolvida na briga, ela procede diferente: chama o filho que bateu na menina, que tem 6 anos, manda ele permanecer parado, e diz à filha para bater de volta. De acordo com ela, a diferença na conduta tem motivos claros: para a filha saber o quanto é forte, que pode defender a si mesma.
Nesse ponto o relato levanta outro questionamento: devemos tratar meninos e meninas de forma diferente quando brigam? E, esse é o caminho para empoderar meninas?
Para Sonia, em primeiro lugar, é preciso levar em consideração que as crianças são diferentes, e que a forma com que lidam com os conflitos não necessariamente está atrelada às questões de gênero: “É importante cuidar para que essas especificidades não sejam traduzidas em forças e fraquezas”.
Ela também aponta que meninos e meninas aprendem parâmetros sobre os ‘papéis’ e diferenças entre gêneros a partir da observação dos exemplos próximos: sua família e os adultos com quem convivem.
“É fundamental que os pais também estejam atentos aos seus próprios estereótipos e preconceitos e reflitam sobre os valores que estão transmitindo com suas atitudes”, afirma a psicóloga.