Há algumas cenas com filhos que têm o poder de manifestar um tipo inesperado de abismo na experiência parental. Quando achamos que estamos finalmente elucidando o mistério oculto na maternidade ou na paternidade, somos lançados a algum diálogo desconcertante, que faz-nos sentir novatos, estagiários e incautos no ofício vitalício de criá-los. O manto do segredo da eficácia nunca se desvela; parece mesmo que jamais saberemos o caminho para o pote de ouro ao final do arco-íris.
A boa notícia é que não precisamos ser o que jamais conseguiremos; a perfeição de uma mãe ou de um pai, caso existisse, seria uma tragédia para um filho. Desde muito cedo, estes infantes testemunham nossas falências e, por isto mesmo, entendem que a vida pode ser possível, bela e esperançável para o mais errante dos mortais. Eles sabem que não somos aquilo que prometemos ser. Eles recebem, em suas almas e corpos, o peso do momento em que não sabemos lidar com eles. Eles vivem do jeito que conseguem viver. Nós é que chamamos a parte da história deles que não compreendemos de desafio, fazendo do encontro uma pergunta, da pergunta um incômodo e do incômodo um ato errático. É assim que erramos: porque achamos que temos a obrigação amorosa de saber, nossa ansiedade diante do vazio das certezas termina cometendo algum desvario.
E depois do desvario? O que fazer diante do espelho quebrado em que nos transformamos? Como encarar o duro momento em que a decepção encarnou nos olhos de um filho? O que podemos passar a ser para ele, depois de descoberta a nossa pequenez?
A dificuldade em encarará-los depois de um erro nosso não é puro mérito da vergonha que sentimos. Somos, ainda, filhos do autoritarismo. Fomos criados por olhares ameaçadores, palavras desqualificadoras, explosões raivosas e cintos e chinelos que maltratavam a pele infantil. Fomos vítimas de um modelo que se reproduzia ad infinitum nas casas de toda a cidade, nas escolas, nos sermões dos líderes religiosos e nas recomendações de toda espécie de autoridade. A regra era: dar limite severo a qualquer desobediência ultrajante. A meta não era fazer a criança compreender o mundo, mas sim submeter-se a uma autoridade autoritária que portava a certeza do que era melhor para qualquer vida que usasse uniforme colegial. E mais: quando uma mãe ou pai errasse, não podia simplesmente assumir sua falha, imaginando que aí aconteceria a perda da autoridade, os limites seriam desobedecidos e o caos se instalaria.
Nossos antepassados, portanto, não nos ensinaram a pedir desculpas. Somos filhos da arrogância e do orgulho; quando tentavam se desculpar, vinham com um “mas também, você faz tal coisa e me descontrola!”.
Isto não é reparação afetiva. Isto é culpabilização da vítima: a responsabilidade do descontrole do adulto não está nele, e sim no comportamento da criança.
Somos estas crianças. Muitos de nós chegamos à adultez ainda destreinados em reparar uma relação. Nossos pais nos ensinaram a não saber pedir desculpas. Assumir isto é parte da transmutação de nossas práticas educativas. Mostra que estamos comprometidos como aprendizes eternos de um ofício indecifrável, já que a imagem que fazemos de nossos filhos é sempre borrada por nossas expectativas e projeções sobre ele. Escutá-lo continua sendo o mantra, a saída, o reparo numa história que será eternamente quebrada pela falha humana, que ceifará as ilusões de quem o outro pode ser para nós. E a cena das desculpas passa a ser, desta forma, a grande beleza a ser inventada por todos os protagonistas da história.