A Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (1972) apresenta-se como o marco histórico normativo inicial da proteção ambiental, que projetou, pela primeira vez no ordenamento jurídico, especialmente no âmbito internacional, a ideia em torno do direito humano a viver em um ambiente equilibrado e saudável, como elemento essencial para uma vida com dignidade e bem-estar.
Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, em 1992, em razão da Conferência das Nações Unidas (Eco-92), um novo marco jurídico internacional destacou a importância da proteção do ambiente, a proclamada Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que, em seu Princípio n.1, destaca:
“Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”
Mais recentemente, em 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou um conjunto de Princípios Orientadores sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente que dispõe sobre as obrigações básicas dos Estados, incluindo “estabelecer, manter e implementar parâmetros legal e institucional eficazes para o desfrute de um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável”.
A vida e a saúde humana só podem ser asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos mínimos.
O Brasil é parte de vários tratados internacionais que obrigam o Estado a proteger o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo direitos civis e políticos. A Constituição Federal Brasileira de 1988, inclusive, sedimentou e positivou ao longo de seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, uma vez que atribui o direito ao ambiente o status de direito fundamental, como prevê o artigo 225:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
O artigo 225 da Constituição Federal junto à inviolabilidade do direito à vida (artigo 5º) alcançam uma dimensão ampla no respeito à vida humana e também à não humana, pois prevê o dever fundamental de proteção ao meio ambiente, ou seja, de todos os seres vivos, superando a visão antropocêntrica que coloca o homem como o epicentro dos direitos fundamentais constitucionais.
O princípio constitucional da precaução revela essa responsabilidade para com as futuras gerações, e nos coloca como guardiões do tempo e das vidas futuras.
A dimensão intergeracional do princípio da solidariedade aponta também para um complexo de responsabilidades e deveres das gerações contemporâneas em resguardar condições existenciais para as pessoas que virão a habitar o planeta, devendo-se voltar o olhar para o futuro da humanidade.
É de um direito fundamental à vida que estamos tratando: o direito de existir no futuro.
O direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado reconhece a íntima relação entre a preservação ambiental e a garantia da sobrevivência e da qualidade de vida de crianças e adolescentes: esta população, além de mais vulnerável às consequências da desproteção ambiental no curto prazo, tem probabilidade maior de enfrentar as consequências no longo prazo. Afinal, a privação do direito de se desenvolver em um ambiente saudável traz graves consequências às crianças e aos adolescentes, que se acumularão ao longo da vida, impedindo que uma série de outros direitos fundamentais seja exercida de maneira plena.
Em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento e de sua vulnerabilidade intrínseca, tais fenômenos afetam as crianças e adolescentes com muito mais intensidade do que as demais populações humanas. O próprio Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU já reconheceu uma variedade de questões ambientais como fatores essenciais para garantir a plena realização do leque de direitos fundamentais das crianças pela Convenção sobre os Direitos da Criança.
Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988 determina que crianças e adolescentes devem ter sua condição de desenvolvimento peculiar respeitada, assegurando assim o seu melhor interesse e a absoluta prioridade de seus direitos fundamentais. Positivada no artigo 227, essa garantia representa o verdadeiro marco paradigmático, ao tratar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos específicos e reconhecer a necessidade de serem empregados os máximos esforços para a sua proteção.
A importância do tema ambiental tem ganhado cada vez mais relevância na esfera dos direitos da criança e do adolescente. Em 2016, o Dia de Discussão Geral promovido pela ONU foi inteiramente dedicado ao tema dos direitos da criança em relação ao meio ambiente. Entre os seus objetivos, foram incluídas: “obrigações dos Estados quanto aos direitos da criança a um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável” e a “responsabilidade estatal em assegurar medidas capazes de mitigar ou reverter os efeitos de mudanças climáticas, especialmente em crianças e adolescentes”.
Em âmbito nacional, pode-se mencionar o Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.º 13.257/2016), que estabelece, em seu artigo 5º, a proteção ambiental como área prioritária para políticas públicas:
“Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.”
Compete a todos nós, inclusive a cortes e tribunais em diversos países, o reconhecimento do direito de crianças e adolescentes em ter um futuro no presente. Além de agirmos para mitigar o impacto e a ampliação de desigualdades desde a infância, seja por raça, gênero, classe, etnia, que tendem a se agravar em decorrência da crise climática.
A qualidade ambiental em sentido amplo é um dos principais fatores que determinam a sobrevivência das crianças nos primeiros anos de vida, e influencia fortemente o seu desenvolvimento físico e mental. Por tal fato, a justiça ambiental e climática não pode mais ignorar o contexto da proteção socioambiental de crianças e adolescentes, devendo reconhecer que esta parcela da população tem sido afetada de forma desigual e desproporcional, merecendo um olhar mais apurado e uma proteção eficaz e integral com prioridade absoluta de seus direitos fundamentais, tal qual resta descrito nos artigos 225 e 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988.
* Angela Barbarulo, coordenadora do projeto Justiça Climática e Socioambiental do programa Criança e Natureza do Instituto Alana. Advogada, formada pela PUC/SP e auditora especializada em direito ambiental pelo Institute of Environmental Management & Assessment/UK. MBA em Gestão Ambiental e Mestre em Engenharia e Tecnologia Ambiental pela Universidad de León, Espanha. Membro da Comissão de Meio Ambiente e de Direitos Humanos da OAB/SP.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
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“Defender e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade” – Trecho da Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972)