“Para mudar o mundo, sei bem, é preciso sonhar acordado”, a frase do escritor português Valter Hugo Mãe atravessa o tema do festival Ciranda Cirandinha de Filmes: sonhar. Desacreditada ou negligenciada, é preciso resgatar essa nossa capacidade onírica como inspiração para construir outros mundos possíveis. Mas, ainda é tempo de sonhar?
Durante a roda de conversa sobre memória, imaginação e sonhos coletivos, Sidarta Ribeiro e Eliane Potiguara compartilharam seus pontos de vista quando o assunto é sonhar e promover mudanças, destacando o papel das crianças nesse processo.
Crianças: imaginação e sonhos coletivos
Para o neurocientista e escritor, estamos submetidos a uma desqualificação do sonho e do sono. Embora sejam processos naturais, a questão de como a nossa sociedade encara o tempo hoje em dia – não há tempo para o ócio, para a contemplação, para o tédio -, nos impede de entrar em contato com o inconsciente e a ancestralidade. Construir um sonhário, dar atenção e valor aos sonhos, é uma forma de resgatar algo que é ancestral. E as crianças têm papel importante nesse resgate, pois a “capacidade de sonhar das crianças é menos limitada pelo que já foi e mais aberta para o que virá”, pondera. Sidarta defende o sono como elemento crucial para a aprendizagem, tanto antes quanto depois da exposição a novos conteúdos. Ele também aponta para a urgência do tempo de travessia, em que, para viver bem, vamos precisar resolver nosso problema ético, moral, espiritual, que é compartilhar. Ou seja, uma transformação contra a chave do egoísmo, sem ganhar dinheiro destruindo a natureza ou explorando os mais vulneráveis, por exemplo. Não aceitar repetir os padrões do passado, nem entregar todo o controle às máquinas.
A professora, ativista e poetisa indígena Eliane Potiguara reforçou a importância do saber ancestral, dos laços com os antepassados, da cosmologia e a herança espiritual. Para ela, esses traços da ancestralidade indígena estão presentes na dança e também no sonho. Já o sono tem a capacidade do descanso, esse elemento tão importante para o espírito, para o corpo e para a alma, pois renova nossas energias. Nosso corpo pede calma assim como a natureza faz em seus ciclos. Mas negamos esse pedido sistematicamente quando fazemos uma atividade pensando em outro assunto, como comer com o celular na mão, exemplifica ela. Eliane chama a atenção para o fato de que nem velhos, nem crianças são valorizados em nossa cultura. Contra essa violência, ela convoca: “Deixe as crianças pensarem. Quando uma criança está pensando, existe uma máquina mental poderosa em construção.”
* Pela primeira vez totalmente on-line, a programação este ano incluiu oficinas, bate-papos e contação de histórias, além de curtas e longas-metragens. O papo entre Sidarta Ribeiro e Eliane Potiguar teve mediação da socióloga e educadora Lourdes Atié, e contou ainda com a presença das crianças Pietra Tapie e Luanna Rodrigues para debaterem os sonhos.