“Quando um adulto leva a sério o que uma criança tem para falar, vai olhar com outros olhos para o mundo”, Josephine Hebling, do Conselho de Crianças e Jovens Kinderhifswerkes.
Josephine Hebling tem 17 anos e desde os doze atua para garantir que o poder público leve em consideração o que as crianças tem a dizer sobre a cidade onde mora. Ela é uma das integrantes do Conselho de Crianças e Jovens Kinderhifswerkes, em Freiburg, na Alemanha. Foi a partir de uma atividade na escola chamada “Oficina dos Sonhos” que Josephine começou a questionar a participação das crianças na elaboração das politicas da sua cidade. A oficina estimulava os alunos a sugerir melhorias para o espaço público. Com o incentivo da professora, Josephine e seus colegas montaram o Conselho Consultivo de Crianças de Freiburg (site em alemão) para que suas vozes fossem escutadas. O conselho existe até hoje e opera em conjunto com o Kinderbüro (Escritório da Criança) para levar à administração municipal os interesses dos pequenos.
O Conselho já tem uma lista de conquistas, como a construção de um ginásio e a ativação do cinema da cidade. Mas nem todas as melhorias dependem de grandes investimentos. Um exemplo é a percepção de que se o sinal verde ficasse aberto por mais tempo, as crianças poderiam atravessar a rua com mais tranquilidade e segurança. “Muitos políticos acham que as crianças custam mais do que contribuem. A gente não espera que todas as ideias propostas sejam realizadas, a gente espera que as nossas ideias sejam consideradas de forma séria, assim sabemos que estamos sendo levados a sério”, defende Josephine.
A cidade de Freiburg é reconhecida mundialmente por seu planejamento sustentável integrando a natureza ao espaço urbano. Mas foi ouvindo também as crianças que ela se tornou referência de cidade amigável aos pequenos. Durante uma semana, uma delegação brasileira esteve lá numa missão técnica, organizada pelo programa Criança e Natureza do Alana, para conhecer algumas dessas iniciativas.
A atuação dos moradores, para a construção de uma cidade acolhedora, atrelada ao apoio do poder público, ocorre há décadas em Freiburg. Nos anos 1990, uma pesquisa encomendada pela prefeitura ao Instituto de Ciência Social Aplicada (FIFAs), da universidade local, procurou identificar os espaços de ação das crianças no ambiente urbano. Quais eram os trajetos percorridos? Qual era a distância até o parque mais próximo? E o que elas tinham a dizer sobre os espaços para brincar?
Como resultado, a pesquisa mostrou que a infância não deveria ficar restrita a locais específicos, como um parquinho, mas presente por todo o território. Assim, na implementação das mudanças, foram levados em consideração pontos de ônibus, terrenos baldios, calçadas, diferentes espaço para permitir a interação da criança com o ambiente urbano e com a natureza. “A cidade serve para a aventura. A gente não precisa só de parques, precisamos de uma cidade inteira brincante, esse é o futuro”, acredita Udo Lange, diretor da Bagage, uma oficina de ideias pedagógicas que planeja e constrói espaços para o brincar livre em Freiburg.
Outra iniciativa local é o Stadteildetektive (Detetives do Bairro), criado em 2004 pela associação Kind und Unwelt (Associação Criança e Meio-Ambiente) para identificar o que poderia ser melhorado a partir da percepção das crianças. Em parceria com as escolas, elas foram registrando o que era bom e os obstáculos que impediam sua circulação pelos trajetos que percorriam. Com os resultados, os Detetives do Bairro conseguiram trazer melhorias para praças e sinalizações de trânsito nas ruas próximas às escolas. O projeto já foi realizado em oito bairros e pretende continuar por toda cidade.
Iniciativas que envolvem participação e escuta das crianças na elaboração dos espaços não estão restritas a Freiburg. No Estado de Nordrhein-Westphalen (NRW), também na Alemanha, foi criada em 2015 a campanha estadual Mehr Freiraumm für Kinder, ein Gewinn für alle (Mais espaço livre para as crianças, um ganho para todos). Atualmente, a iniciativa acontece em 22 cidades e, segundo sua coordenadora Doris Bäumer, a campanha apresenta soluções para os munícipios promoverem uma circulação mais segura para os pedestres e criarem espaços livres para as crianças usando poucos recursos.
O processo de elaboração da campanha tem a participação direta das crianças que ajudam a identificar os trajetos até as escolas para transformá-los em “caminhos brincantes”. Com apenas um toco de giz, por exemplo, uma criança pode mudar uma rua inteira, marcando sua presença, deixando seus vestígios e atuando de maneira participativa na produção do espaço.
Exemplos como os de Josephine, de Freiburg e da Alemanha mostram como a valorização das percepções das crianças e seu protagonismo podem trazer resultados benéficos para todos. Envolver a criança no planejamento sócio-espacial é garantir uma cidade com menos desigualdades e com qualidade de vida para seus moradores. Além disso, permite um desenvolvimento integral da criança inserida como sujeito na comunidade em que vive.
O envolvimento no planejamento da cidade e na realização de um espaço público acessível para todos é também uma maneira de educar futuros adultos participativos nas decisões da cidade e comprometidos com aquilo que é público. A cidade precisa ser pensada como um espaço de todos e para todos, que receba seus moradores de maneira segura, acolhedora, garantindo, assim, o cuidado com aquilo que é comum.
Laura Leal é coordenadora de comunicação do Alana e esteve na cidade de Freiburg, na Alemanha, com a Missão Técnica organizada pelo Criança e Natureza.