Com o caso de Wallace, menino de 12 anos que decidiu voltar a viver com a mãe biológica, diversas discussões sobre os direitos da criança adotada e dos adotantes vêm à tona. Nesta situação, não existe um processo legal de adoção finalizado envolvendo Wallace, Carol Nakamura e Guilherme Leonel, e sim um caso de entrega direta, que é fortemente desestimulado por facilitar problemas tanto para a criança quanto para seus genitores e adotantes.
Estar em situação de vulnerabilidade social não significa que qualquer pessoa pode adotar uma criança fora do processo legal – que existe exatamente para oferecer o suporte e a segurança necessários para os interessados em adotar uma criança ou um adolescente. Carol e Guilherme têm direito à guarda provisória da criança, mas o menino continua tendo o direito de viver com sua família biológica, visto que a adoção não foi formalizada e não seguiu os trâmites legais da fila de adoção.
As facetas da adoção irregular
A adoção irregular impacta diretamente em dificuldades de adaptação e desaparecimentos: “existem muitas crianças adotadas fora da medida legal que passam por vários lares e acabam não ficando com a nova família, voltando para o abrigo porque não houve adaptação, vínculo”, conta Clarice Barbosa, coordenadora do Movimento Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e Vítimas de Violência. A volta para o abrigo muitas vezes incide em desaparecimento, visto que, quando insatisfeita, a criança acaba fugindo dos adotantes e não retorna para a família biológica, entrando para a estatística de desaparecidos do país.
Lucas Guimarães, investigador da Polícia Civil de Minas Gerais e doutorando em psicologia social pela UFMG, explica que muitos dos desaparecimentos de adolescentes não acontecem por razões que um adulto consideraria válidas para ir embora: “as fugas acontecem motivadas pela percepção do crescimento, do desejo, da sensação de que o mundo ordenado por regras e proibições lhes faz mal – como acontece com qualquer adolescente”, diz.
Um ponto importante levantado por Lucas é que, atrelado aos desaparecimentos voluntários, os pais manifestavam, algumas vezes explicitamente, sentimentos de ingratidão e baixa tolerância maiores do que se observa em outros casos. “Todos os pais que vi expressar esses tipos de emoções o faziam por sentir que tinham dado algo ao adolescente, que tinham o retirado de uma situação pior (a miséria, a orfandade) e que, portanto, deveriam ser tratados, sempre e em todos os casos, exclusivamente com gratidão”, relata, contextualizando a experiência no Núcleo de Psicologia e Serviço Social da Polícia Civil de Minas Gerais.
Esse comportamento, vindo de pessoas adultas que decidiram, de livre e espontânea vontade, arcar com o cuidado de alguém que não pariram, é violento e perverso, porque demonstra uma irresponsabilidade afetiva imensa.
A comunicóloga Gabi Oliveira é mãe de Mário e Clara Lua, irmãos adotados por meio de um processo legal. Muitas vezes considerado burocrático devido à demora e por existirem poucas crianças para muitos interessados, adotar uma criança legalmente é garantir segurança e integridade a todos os envolvidos. Além dos problemas que a adoção irregular pode causar, Gabi fala sobre como os comentários que chamam Wallace de “safado”, “espertinho” e “sem vergonha” reforçam estereótipos racistas e adultizam uma criança negra.
Não existem filhos e pais perfeitos, existem filhos e pais possíveis, e é responsabilidade de todo adotante respeitar o espaço e os direitos da criança, sem a expor de maneira degradante. Quando se adota uma criança, é necessário lembrar que ela é um ser autônomo, com vontades e desejos, e que adotar não é um ato de caridade. Adotar é um ato de amor.
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Todo interessado em adotar uma criança deve realizar um curso preparatório gratuito, com informações que auxiliam a decidir com mais segurança sobre a adoção; preparar os pretendentes para superar possíveis dificuldades que possam haver durante a convivência inicial com a criança/adolescente; orientar e estimular a adoção interracial, de crianças ou adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos. (Fonte: Conselho Nacional de Justiça)