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Censo 2020 terá perguntas sobre autismo: inclusão ou retrocesso?

Imagem de uma menina com os olhos olhando para cima

A partir de 2020, o Censo Demográfico do IBGE terá que obrigatoriamente incluir perguntas sobre o autismo no Brasil.

A decisão foi anunciada na última quinta-feira (18) pelo presidente Jair Bolsonaro, ao sancionar a  lei 13.861/2019, e repercutiu de variadas formas na sociedade e nas redes sociais. Foi, inclusive, considerada uma surpresa por muitos, já que o próprio presidente já havia anteriormente se posicionado contrário à decisão, mudando de posição após pressão por parte do movimento autista.

Autismo no Censo 2020

De um lado, o novo questionário vem sendo considerado um avanço na pauta da inclusão por muitas pessoas do movimento autista, incluindo familiares de pessoas que se enquadram no espectro, como é o caso do MOAB  (Movimento Orgulho Autista do Brasil) e do apresentador Marcos Mion, que acompanhou Bolsonaro na sanção da nova lei. Pai de um adolescente com autismo e autor de um livro sobre sua paternidade atípica, “A escova de dentes azul”, Mion é uma das personalidades de maior destaque na mídia no sentido de dar visibilidade pública a questões relativas ao transtorno.

Por outro lado, a decisão também levanta algumas ressalvas importantes: de que forma as perguntas serão feitas? Quais perguntas serão essas? A abordagem pode gerar constrangimento ou contribuir para estigmatizar ainda mais o transtorno? Os dados serão compatíveis com a realidade do país? E, mais importante: o diagnóstico por si só dá conta da complexidade de mapear quem são os brasileiros do espectro?

Essas e outras questões pontuadas aqui não são necessariamente novidade para quem acompanha as discussões mais atuais sobre o transtorno e luta por reconhecimento, como o Movimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista, que celebrou a aprovação. O anúncio da inclusão do autismo no Censo também motivou outros grupos de representantes das pessoas com deficiência a pedirem a abordagem de todas as deficiências na pesquisa. Nas redes sociais, o assunto vem sendo repercutido a partir da hashtag #autismonocenso2020.

Afinal, conhecer o contexto social, econômico, familiar e emocional das pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) ou com qualquer outra condição, seja ela cognitiva e/ou física, passa por entender que sua existência como sujeitos vai muito além de uma avaliação médica, sobretudo considerando que um país como o Brasil não oferece igualdade de condições em relação ao acesso de diagnósticos em saúde mental.

TEA
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por uma desordem de desenvolvimento que afeta algumas áreas do cérebro, podendo impactar o comportamento, a capacidade de comunicação e a interação social de um indivíduo. Atualmente, fala-se em três níveis dentro desse espectro, que correspondem à necessidade de auxílio que pessoas precisam para viver e desempenhar tarefas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que uma em cada 160 crianças tenha TEA, o que leva a um cálculo de uma população de aproximadamente duas milhões de pessoas no Brasil.

Controvérsias e olhares atentos

Para quem defende a entrada das perguntas sobre autismo no Censo, a expectativa é que a estimativa sobre o número de pessoas com TEA favoreça a criação de políticas públicas que garantam oportunidades terapêuticas a mais pessoas. Contudo, é preciso ficar atento à precisão dos dados gerados a partir da pesquisa. O motivo disso tem relação com a maneira como a informação será tratada e posteriormente trabalhada no questionário: uma pessoa se auto reconhecerá como autista, considerando que muitas vezes aquela identidade não foi construída como tal? Em casos de transtornos não diagnosticados, a questão se mantém.

Para além de comemorá-la ou criticá-la, cabe aqui priorizar o maior impactado com a decisão: a pessoa com transtorno do espectro autista. Por isso, é preciso pensar na perspectiva emocional dos entrevistados: as pessoas podem omitir a informação por constrangimento ou falta de conhecimento sobre sua própria condição ou de algum familiar. A partir disso, é possível supor que o número mensurado pelo mapeamento do IBGE não corresponda com a realidade, e sim com uma estimativa aproximada dela. Se esse for o caso, qual o impacto da atenção dada pelo governo ao assunto? 

Autismo e coleta de dados no Brasil

A expectativa inicial, a partir do acompanhamento de declarações oficiais e publicações de Jair Bolsonaro em suas redes, era de que o presidente vetasse o texto da lei para tentar incluir as perguntas sobre autismo na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (o PNAD Contínuo), posição também compartilhada pela presidente do IBGE, Susana Guerra. A mudança de posicionamento aconteceu de última hora, devido ao trabalho articulado entre ativistas, famílias e movimentos da sociedade civil. 

Para pensar sobre a forma como a discussão sobre autismo no Brasil precisa estar alinhada às demandas do próprio movimento, existe um grupo internacional chamado Grupo de Washington (formado na Comissão de Estatística das Nações Unidas e composto por representantes de Institutos Oficiais de Estatística e organizações da sociedade civil), que busca padronizar definições, conceitos e metodologias de pesquisa sobre a população de pessoas com deficiência. O objetivo é garantir que os resultados obtidos ao redor do mundo sejam comparáveis. No Brasil, o IBGE procura estar em consonância com essas discussões e adotou perguntas baseadas no modelo do GW.

A Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo) publicou uma nota sobre o assunto, em que reforçam que coletar dados estatísticos a afim de avaliar a ação do Estado em saúde pública é direito da pessoa com deficiência, conforme sinaliza o artigo 31 da Convenção Internacional pelos Direitos das Pessoas com Deficiência.

O texto da Abraça problematiza uma questão fundamental, a das nomenclaturas: afinal, o Censo 2020 entende o autismo como deficiência intelectual ou psicossocial? Uma ou outra pode interferir nas respostas dos entrevistados, uma vez que demanda da pessoa enquadrar-se em categorias sociais frequentemente estigmatizadas.

“A terminologia deficiência mental, hoje, no Brasil, tem interpretação ambígua, e a presença desse termo no processo de coleta de dados é também problemático”

“Não está claro se ele faz referência às próprias pessoas com deficiência intelectual (como nos termos do Decreto nº 3.298/1999) ou se faz referência a pessoas com impedimentos mentais (nos termos da CDPD, hoje chamadas de pessoas com deficiência psicossocial). Também não está claro onde entra o Autismo, se é que está sendo contabilizado de alguma forma.”

“Para uma compreensão mais profunda das deficiências em um país, uma das estratégias mais eficientes é a de executar um Censo exclusivamente sobre Deficiência, que levante dados desagregados em diferentes localidades e contextos”, diz texto da Abraça.

Censo 2020

O Censo Demográfico é um estudo estatístico domiciliar, produzido pelo IBGE, que permite reunir, a cada dez anos, informações sobre como vive a população nos 5570 municípios do país. 

De acordo com o IBGE, o objetivo é traçar um retrato abrangente e fiel do Brasil para que se possa desenvolver e implementar políticas públicas e direcionar investimentos do governo ou da iniciativa privada. 

Entre as informações geradas estão: tamanho da população brasileira, distribuição de pessoas pelo território nacional, nível de escolaridade de crianças e jovens, condições de emprego e renda da população, entre outras. Os dados reunidos e interpretados pelo IBGE ajudam a dar visibilidade a demandas das áreas de saúde, educação, transporte, cultura e lazer, entre outras, e a ganhar atenção de gestores públicos.  

Em um contexto de cortes orçamentários, o Censo 2020 trará mudanças em relação ao de 2010, com questionário que passa a ter 25 perguntas em vez de 34. Isso representa, segundo o IBGE, uma queda de sete para quatro minutos de abordagem. 

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