O primeiro dia de aula de uma criança inaugura uma experiência que a acompanhará durante toda a sua vida escolar. Tem quem lembra desse dia como um momento de curiosidade, em que correu para brincar com outras crianças. Tem quem só lembra das sensações de ansiedade, como frio na barriga e medo de rejeição. Esse dia é cheio de novidades, para as crianças, mas também para os responsáveis.
Após dois anos de ensino on-line e híbrido, o primeiro dia de aula é ainda mais esperado, com famílias vivendo o início da vida escolar de forma presencial.
Com 1 ano e 6 meses, Benjamin terá essa experiência pela primeira vez agora. Sua mãe, Luanda Lobo, conta que já tinha a intenção de colocá-lo na escola assim que retornou da licença-maternidade, mas o plano foi adiado. “Nós queríamos que ele começasse a socializar e, na escola, ele teria a oportunidade de conhecer outras crianças da sua idade. Até agora, ele só esteve conosco e com uma babá que cuidou dele enquanto estávamos trabalhando home office.” Luanda é colombiana, com parte de sua família ainda vivendo na Colômbia, e seu esposo é brasileiro, com a família residindo por aqui. Com a pandemia, a relação presencial com a família extensa de ambos diminuiu.
Nos últimos anos, as crianças tiveram os pais ou outra pessoa cuidadora o tempo todo ao lado delas, enquanto outras relações foram limitadas. A neuropsicopedagoga Raquel Petersen, que é também mãe de três, explica que, nesse período, “sem a possibilidade de contar com o apoio da escola para a criança ter suas habilidades sociais estimuladas, essa criança pode ter se desenvolvido mais lentamente”, diz. Nesse contexto, a ida à escola simboliza uma possibilidade de recuperar o ritmo próprio da infância.
A ansiedade de cada primeiro dia de aula
Mesmo quem já passou pelo primeiro dia de aula várias vezes tem altas expectativas. Júlia, 10, é uma menina surda que vai à escola desde os 7 meses. Em 2022, ela começa no Ensino Fundamental II. “Eu estou ansiosa para saber quem será a professora do 5° ano e quem serão os alunos novos”, diz.
A mãe de Júlia, Daniela Guidugli, conta que a filha não se adaptou às aulas on-line e, por isso, a escola abriu uma exceção, permitindo que, desde o ano passado, ela fosse presencialmente. “Ela possui aparelho de implante coclear e usa o sistema FM para escutar. Dessa forma, quando está em sala de aula, ela compreende bem a professora, mesmo com a máscara”, explica.
Com o avanço da vacinação, mais alunos estarão na escola e o contato entre as crianças será mais seguro, o que é motivo de alegria para Júlia. “Eu estou muito feliz que as crianças poderão se vacinar. Eu não vejo a hora da covid ir embora para eu poder brincar com meus amigos no recreio.”
Ainda que a ansiedade das crianças nesse momento, por vezes, possa preocupar os familiares, Raquel tranquiliza que ela faz parte do processo. “Não tem como se preparar para o primeiro dia de aula sem ansiedade, mas os adultos podem fazer com que essa ansiedade seja boa para as crianças.”
Ela sugere estabelecer uma comunicação aberta com os pequenos, falando sobre a escola, sobre os amigos que ela fará, sobre tudo o que ela vai aprender, inclusive envolvê-los na escolha e organização do material escolar e da mochila, dependendo da idade. “Ter uma rotina bem definida e passar para as crianças a ordem em que as coisas irão acontecer também faz diferença, por exemplo: primeiro, você vai para a escola; depois, eu irei te buscar; em seguida, nós vamos fazer um lanche…”, completa a neuropsicopedagoga.
E se o primeiro dia de aula for ruim?
Em meio a tanta ansiedade, por mais que a família tente transformá-la em uma espera positiva, o primeiro dia de aula pode não sair como imaginado e isso trará frustração para todos os lados.
Disponibilidade de tempo é a principal recomendação da neuropsicopedagoga Raquel para a fase de adaptação, em que a criança estará conhecendo um novo ambiente, com novas pessoas e em que ela também descobrirá novas formas de ser criança. “O tempo é sempre um desafio para famílias inseridas no mercado de trabalho convencional. Então, no período de adaptação, os pais precisam colocar como meta ter disponibilidade para a criança e usar o tempo que têm de forma intencional.”
Quando há muita resistência em relação à escola, é necessário que a família tenha paciência e disposição para o acolhimento. Durante o período de adaptação – que varia de criança para criança –, é preciso ter atenção às seguintes atitudes:
- Sempre que for sair da escola, despeça-se de quem você cuida;
- Quando estiver na escola, não finja que não está ali ao ser visto pela criança;
- Acolha o choro, se preciso for, no seu colo, sem constrangimento e se posicionando caso alguma professora queira tirá-la de perto de você.
Essas pequenas atitudes são como elos que sustentam o relacionamento da criança com a pessoa que cuida dela. No momento em que há uma ruptura de um elo, surge a insegurança. Consequentemente, isso irá influenciar na percepção da criança sobre a escola, que passará a ser aquele lugar de sensações ruins.
Expectativas e medos de quem cuida
Tanto para a família de Benjamin quanto para a família de Júlia, as maiores expectativas estão em torno dos relacionamentos e surgimento de vínculos.
Na casa de Benjamin, ele é incentivado a buscar, por conta própria, soluções para as dificuldades que encontra. “Queremos dar a ele uma educação positiva, mostrando que ele é capaz”, conta a mãe Luanda. Ela espera que o filho, que não convive com muitas outras de sua faixa etária ainda, aprenda a fazer atividades em grupo e reforce na escola o que vem aprendendo em casa.
Já Júlia é de bater papo facilmente, contrariando o medo inicial da mãe. “Pensava que ela não conseguiria se comunicar com os amiguinhos, quando foi para o 1° ano do Ensino Fundamental, mesmo depois de todo trabalho de oralização e sessões de fonoterapia”, lembra Daniela. Sua expectativa é de que, com o avanço dos anos escolares, Júlia ganhe mais desenvoltura na comunicação e não leve tudo tão ao pé da letra, aprendendo a interpretar o significado figurado das palavras.
Daniela também espera que Júlia encontre caminhos para ser quem ela é. “Aos 9 anos, Júlia passou por uma rejeição, mas conversamos muito e ela amadureceu a ideia de que ser surda não é um empecilho para nada. Hoje, ela está buscando o seu jeito de ganhar espaço no seu círculo de amizades”, conta Daniela. Enquanto isso, Júlia está com saudade de brincar com seus amigos e “de conversar com a inspetora na hora do recreio”, diz.
Raquel pontua que famílias com crianças atípicas, que possuem alguma deficiência ou neurodiversidade, costumam ter ansiedades principalmente relacionadas à aceitação da criança no grupo. “Meu conselho é para que esses pais e mães se façam presentes no período de adaptação, mas sem interferir no fluxo que a própria criança construirá na escola”, diz.
Afinal, cada criança – típica ou atípica – tem seu ritmo, seus gostos, sua personalidade e elas vão encontrar o seu jeito próprio de viver a escola, que pode ser diferente das escolhas que os familiares fariam. “É preciso parar de querer padronizar as crianças e a forma como vivem suas infâncias”, arremata Raquel.
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