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Acidentes domésticos: qual o limite entre o cuidado e o excesso?

Segundo a especialista Renata Waksman, as queimaduras por líquidos quentes são as mais frequentes e, em geral, acometem as camadas mais superficiais a pele. Ocorrem tipicamente na cozinha, durante o preparo de café, chá, leite e comida.

“Não encosta nisso”, “Desce daí”, “Tira a mão!”, “Cuidado com a cabeça!”. Se identificou? Que imagens vêm à sua cabeça?

Brincadeiras à parte, quem tem crianças em casa, sabe que ser pai, mãe cuidador é tomar a frente em uma verdadeira gincana diária para protegê-las dos pequenos perigos que rondam uma casa. Quinas, tomadas, objetos pontiagudos, produtos tóxicos, escadas: tudo isso se torna uma ameaça eminente – sobretudo para os pequeninos, que ainda estão na fase de experimentar o mundo com a boca e as mãos.

Quem observa uma mãe ou um pai sempre alertas ao menor sinal de perigo, pode pensar que se trata de um exagero. “Imagina, é só um sofá!”, “Deixa o menino”. Quem nunca ouviu algo assim?

Qual o limite entre a necessidade de proteção e o excesso descabido de preocupação? Como equilibrar a autonomia dos pequenos com exposições nocivas a situações perigosas? Em uma sociedade que tanto teme o risco, como proporcionar uma infância livre e plena sem blindar as crianças de seu potencial de experimentação do mundo?

São perguntas que não têm uma resposta única e nem exata, muito menos universal. Cada família irá vivenciar essa relação de uma forma distinta. Por isso, é preciso ter clareza sobre qual perfil de parentalidade se quer seguir, sem nunca perder de vista a importância da presença ativa na vida dos pequenos.

Pensando nisso, em parceria com o Hospital Albert Israelita Albert Einstein, que diariamente atende crianças acidentadas em situações corriqueiras, o Lunetas compartilha aqui alguns caminhos possíveis para facilitar essa tarefa paradoxal que todo pai experimenta no dia a dia com as crias: proteger e libertar.

Um risco real

Independente de qual seja a abordagem de educação com que a família se identifica, o fato é que os índices de acidentes domésticos envolvendo crianças é alto e alerta para um cenário concreto: 90% das ocorrências acidentais dentro de casa poderiam ter sido evitadas. 

Para Renata Waksman, pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein, com as férias e o maior tempo em casa, as crianças ficam ainda mais expostas ao risco de acidente.

“Crianças e adolescentes sofrem um grande número de traumas em casa ou em seu entorno, a maioria destes eventos ocorre no final da tarde e início da noite, no verão, durante fins de semana, feriados e férias escolares. Muitos destes traumas acontecem em consequência de distrações, pressa, supervisão inadequada e mudanças na rotina da casa e outros fatores como estresse, moradias sem medidas de segurança, famílias numerosas e mudanças de casa aumentam as chances de sofrerem acidentes”, pondera Renata, que é autora do livro “Segurança na infância e adolescência.

Quais são os locais de maior perigo?

Cozinha, banheiro, escadas e corredores, quarto, sala, lavanderia, piscina, quintal: cada ambiente da casa oferece riscos diverso. Por isso, a pediatra nos oferece algumas dicas de como proceder em cada um deles:

Antecipar os perigos pode ser mais simples do que você imagina. E quando se trata de crianças pequenas, toda cautela é bem-vinda.

“Um maior número de acidentes ocorre com crianças pequenas em suas próprias casas, ou seja, os perigos estão bem mais perto do que se imagina. Além de uma maior supervisão, é importante que todos os lugares que a criança frequenta estejam adaptados – casa, escola, clube, restaurantes, parques, casa de vizinhos, amigos, parentes. Os riscos e tipos de acidentes também mudam conforme a idade e as habilidades adquiridas pelas crianças”, explica.

“Muitas vezes um local que não apresentava perigo ontem, pode não ser mais seguro amanhã”

Radiação de microondas, choque térmico ao sair do chuveiro, abrir a geladeira com o corpo quente, manusear aparelhos elétricos descalço, secador na pia do banheiro, usar celular carregando na tomada, entre outros. Como os pais identificam o que é mito urbano e o que é perigo real para a criança?

Para Waksman, todos as situações descritas acima não passam de mitos. “Os pais precisam conhecer os riscos de forma antecipada e preparar a casa para receber o bebê, desde o seu nascimento. É importante analisar, do ponto de vista da segurança, todos os cômodos em separado do ambiente doméstico – para saber mais, consultem o livro  “Crianças e Adolescentes em Segurança“, da Sociedade Brasileira de Pediatria (Editora Manole, 2014)”.

A especialista lista ainda os principais riscos de cada cômodo:

Cozinha

Banheiro

Quarto das crianças

Quarto do casal

iStock/Arte Lunetas

A maior parte destes eventos traumáticos é prevenível por meio do aumento da conscientização e das condições de segurança do ambiente doméstico.

Sala

Lavanderia, jardim, garagem e varanda

Corredor e escada

Panorama de acidentes domésticos no Brasil

Gabriela Guida de Freitas, coordenadora nacional da ONG Criança Segura, chama a atenção para um ponto importante: cada tipo de acidente afeta mais uma faixa etária especifica, devido a diversos fatores ligados ao desenvolvimento infantil.

“As mortes por sufocação são mais recorrentes em bebês de até um ano. Já as internações por quedas acontecem mais com crianças de cinco a 14 anos e por queimaduras de 10 a 14 anos”, explica.

“As mortes por acidentes na infância vêm diminuindo desde 2001, ano de fundação da Criança Segura no Brasil. Nesse período, a redução dos óbitos por acidentes de crianças de zero a 14 anos foi de 37%. O único tipo de acidente que apresentou aumento de ocorrências com vítimas fatais nesse período foi a sufocação, que é um acidente que acontece predominantemente com bebês de até um ano”.

Para ela, apesar da necessidade de observação e da cautela constante, o possível excesso de cuidado é uma questão relevante, e merece ser pensada com atenção.

“De um lado, não queremos que os responsáveis por crianças vejam os acidentes como fatalidades, situações que são inesperadas etc, pois sabemos que os acidentes são previsíveis e evitáveis em 90% dos casos. Por outro lado, também não queremos que as crianças sejam criadas por adultos super preocupados, que assustam a criança e acabam a deixando medrosa ou sem poder brincar livremente e explorar o mundo através de seus sentidos e sua imaginação”, pondera.

Para ela, a solução é cada família buscar o seu próprio caminho de cuidado, cada adulto responsável por uma criança deve pensar o que cabe e o que não cabe em seu contexto de vida, rotina e possibilidades.

“Esse limite só pode ser encontrado por cada adulto responsável ao observar a criança. Algumas crianças entendem mais rápido a noção de consequência e risco. Outras já são mais ousadas e curiosas”, pondera.

“Cada caso deve ser observado individualmente e, por meio do afeto, os adultos devem ensinar às crianças a cuidar de seus próprios corpos”

Gabriela explica que a maior luta do movimento Criança Segura, hoje, diz respeito diretamente à conscientização dos pais e responsáveis pela criança. “Nossa luta é pela conscientização do uso correto dos dispositivos de retenção veicular infantil (bebê conforto, cadeirinha e assento de elevação). Em 2008, a lei que obriga o uso desse tipo de equipamento foi aprovada, mas percebemos que os responsáveis pelas crianças ainda têm muitas dúvidas sobre esse tema e acabam utilizando os equipamentos de forma errada, o que coloca em risco a vida das crianças.

Quem quiser se aprofundar no assunto, o movimento Criança Segura disponibiliza gratuitamente uma série de materiais de apoio para as famílias, como um guia contra envenenamento e intoxicação, dicas de prevenção de acidentes em áreas externas e como prevenir acidentes com animais.

*Este conteúdo foi produzido pelo Catraquinha em novembro de 2017, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.

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