Quem assistiu ao documentário “Ônibus 174”, do cineasta José Padilha, sobre o sequestro mais televisionado da história do Brasil, talvez se lembre de uma cena emblemática. Nela, o adolescente Sandro Barbosa de Nascimento — que horas mais tarde se tornaria refém de seu próprio crime, perdendo sua própria vida –, chama pelo nome de uma professora. “Chama a tia Yvonne!“, ele pede aos policiais.
“Tia Yvonne” é Yvonne Bezerra de Mello, professora que, em 1993, foi a primeira pessoa a ver de perto os oito corpos das crianças assassinadas no Massacre da Candelária. Frequentador da Igreja da Candelária, onde Yvonne atendia 250 crianças em situação de rua, Sandro era um de seus alunos.
Hoje com 70 anos e depois de sobreviver ao fuzil apontado para sua cabeça a fim de que não desse testemunho da violência que presenciou na Candelária, ela pode dizer que dedicou uma vida inteira à educação de crianças pobres. Não por acaso, é conhecida como “professora das crianças perdidas” e, em seu meio social, é frequentemente acusada de tentar “educar bandido”.
Listamos abaixo oito mulheres contemporâneas que tornam o mundo melhor para as crianças. Mulheres notáveis, porém, anônimas, cujas vidas são testemunho vivo de que cuidar da infância é construir uma possibilidade de futuro menos injusto e desigual. Mulheres que fazem, hoje, a diferença que será sentida amanhã.
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1 Bel Santos Mayer
Talvez este nome não salte aos olhos para você, nem aparece no noticiário, mas certamente protagoniza um capítulo louvável da história recente de São Paulo. Em 2009, Bel fundou a biblioteca comunitária “Caminhos da Leitura”, dentro de um cemitério, em Parelheiros, uma das regiões mais vulneráveis da capital paulista. Hoje, a educadora e arte-ativista é uma das coordenadoras do Polo de Leitura “LiteraSampa” e de seu braço infantil, o “LiteraSampinha“, projeto socioeducativo de incentivo à leitura que forma mediadores e atua em toda a cadeia de produção do livro. Junto à Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos, no Estado de São Paulo, ela desenvolveu uma estratégia para que as crianças falem abertamente sobre racismo: o Prêmio AKONI de promoção da igualdade racial. O termo “akoni”, de origem Yorubá, se refere à força e à coragem ancestrais que orientam e guiam a luta por justiça. No vídeo abaixo, Bel fala sobre sua militância:
“Sonho com um país que leve a educação a sério”
Sonho com um tempo em que, convencidos/as do poder transformador da educação e da escola pública, a defenderemos com todas as nossas forças, com todos os nossos saberes. E não haverá espaço para a imposição de políticas emergenciais e planos mirabolantes, aos menos favorecidos economicamente, que não levam em conta os educadores/as, os educandos/as e suas famílias. Sonho com o dia em que o direito à educação será garantido para todos/as. Acho que não é sonhar demais”, diz a educadora Bel Santos Mayer.
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2 Nayana Brettas
Diretora da organização sem fins lucrativos Criacidade, um dos projetos de replanejamento urbano e ressignificação social mais bem-sucedidos da capital paulista, Nayana vê de perto, em seu trabalho, a potência humana do sentimento de pertencimento que vem do protagonismo infantil. O projeto, que revitalizou as ruas do Glicério, bairro tradicionalmente violento, criou também o “Criança Fala“, projeto que tem como objetivo incluir a participação ativa da criança na elaboração de políticas públicas, projetos arquitetônicos, gestão de espaços e currículos escolares, e o ImaginaC, um programa lúdico que une os aplicativos de celular, os jogos e os programas de intercâmbio familiar para conectar a criança à cidade. “Incluir as crianças em processos de ocupar, projetar e transformar cidades é trazer respiros poéticos que fazem com que os pulmões da cidade fiquem mais saudáveis! Uma cidade boa para as crianças é boa para todos”, defende Nayana, em entrevista publicada por aqui em junho do ano passado. Para saber mais, acompanhe a página do projeto.
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3 Margarete Santos de Brito
A advogada carioca percebeu que precisava mudar de profissão se quisesse dar vazão à sua vontade de transformar as regras de um jogo perverso: o acesso a medicamentos à base de maconha no tratamento de epilepsia. Mãe de Sofia, hoje com oito anos, ela foi uma das primeiras brasileiras a importar canabidiol dos Estados Unidos. Àquela altura, o que foi um gesto urgente em busca de alívio para a filha poderia ter sido configurado como tráfico internacional de drogas até 2013, quando a Anvisa legalizou o pedido da medicação com prescrição médica. Margarete poderia ter sido presa por crime hediondo, com pena de cinco a 15 anos de reclusão. Sem medo da luta, em 2016, ela criou um projeto de financiamento coletivo para custear a estruturação de um laboratório de análises de extratos importados do exterior, o FarmaCannabis, que hoje se firmou como um espaço fundamental para que as famílias avaliem e desenvolvam junto com médicos e cientistas um tratamento seguro e eficaz para os seus filhos. À frente da APEPI (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis medicinal), hoje ela é uma das embaixadoras do movimento pelo uso medicinal da maconha, Margarete relembra com orgulho aquele era só o primeiro passo de uma luta na qual ela se empenha até hoje. “Nossa principal luta é o acesso justo e democrático de todas as famílias”, defende.
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4 Caroline Hessel
Transformar a internet em uma ferramenta de sensibilização das pessoas em relação à importância da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Essa foi a missão proposta por Carolina Hessel. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma das responsáveis pela disciplina de Libras na Faculdade de Educação, ele criou o projeto “Mãos Aventureiras”, um canal no YouTube onda ela conta histórias da literatura infantil em Libras. O site em pioneiro em sua proposta, principalmente em relação à variedade das obras que apresenta às crianças. “A internet é uma maneira barata e fácil de dar acesso para todos. Quero preencher esta lacuna para as crianças surdas e também enriquecer o acervo de histórias sinalizadas na internet”, defende.
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5 Yvonne Bezerra de Mello
Em 1998, a educadora – hoje com 70 anos – fundou o projeto Uerê, porém, sua história começou mais de uma década antes. A história do Uerê começou em 1980, quando Yvonne Bezerra de Mello criou nas ruas do Rio de Janeiro a Escola Sem Portas Nem Janelas com grupos de crianças e jovens em situação de rua. Este nome foi dado porque literalmente as aulas eram nas calçadas dos bairros de Copacabana, Madureira, Meier e Centro do Rio de Janeiro. Sediado na Favela da Maré, a escola funciona com uma abordagem de aprendizagem própria, a Pedagogia Uerê-Mello, idealizada para acolher crianças com bloqueios cognitivos e emocionais advindos de traumas e violência. A cada ano, são 430 crianças e jovens atendidos, moradores da Maré e de comunidades vizinhas, com idades entre seis e 18 anos, e todos eles com um denominador comum: a extrema pobreza e exclusão social. O Uerê oferece aulas de português, matemática, história, geografia, ciências e idiomas, além de oficinas de música, capoeira, canto, violino e informática. Além disso, oferece três refeições diárias (café da manhã, almoço e lanche). Hoje, o projeto firmou-se no cenário nacional e internacional como uma organização respeitada e uma escola modelo no atendimento a crianças traumatizadas pela violência.
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6 Cecilia Cury
Ela é advogada e doutora em Direito Constitucional e especialista em rotulagem de alergênicos em alimentos. Em 2014, unto com um grupo de mulheres, ela lançou a campanha Põe no Rótulo, que, como o próprio nome indica, surgiu para cobrar informações mais claras nos rótulos dos alimentos. Nestes quatro anos do projeto, foram dezenas de milhares de militantes da causa, sobretudo mães e pais interessados em proteger seus filhos de informações escusas. O projeto, hoje coordenado por Cecilia Cury, Ana Maria Alvarez Melo e Fernanda Mainier Hack, trabalha para garantir rótulos com informações mais claras, tendo se destacado por sua atuação no processo de construção da legislação de alergênicos no Brasil, e encabeçou uma conquista histórica junto à Anvisa. Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou uma resolução que torna obrigatória uma rotulagem clara em alimentos alergênicos. Se não for possível garantir a ausência de contaminação no produto, a embalagem deve ter a instrução “ALÉRGICOS: PODE CONTER”, exemplificando componentes. As advertências devem vir logo abaixo da lista de ingredientes, com letras legíveis e maiúsculas, em negrito e cor diferente da do rótulo. Trata-se de uma vitória inédita para as pessoas que precisam ter acesso a informações sobre alergênicos nos rótulos e representa um importante passo no sentido de promover a participação da sociedade civil no processo regulatório, garantindo o efetivo exercício do controle social. Acompanhe as novidades do movimento no site ou na fanpage.
7 e 8 Carolina Salviano e Bruna Manta
Há inumeráveis famílias que deixam de ir ao cinema por medo de sofrerem rejeição social. O motivo? O comportamento dos filhos, que não se enquadram no que se convencionou chamar de comportamento típico. São mães e pais de crianças do espectro autista que se veem privados de usufruir de momentos em família em função de uma sociedade normativa e excludente. Para ajudar a minimizar esse cenário, as psicólogas Carolina Salviano e Bruna Manta, da clínica CapaciTEAutismo, criaram o projeto Sessão Azul, que também contou com a contribuição do gerente de projetos em Tecnologia da Informação Leonardo Cardoso. Trata-se de uma sessão de cinema inclusivo, planejado para acolher crianças com limitações sensoriais. Por isso, o som é mais baixo, as luzes mais suaves e o espaço permite o livre movimento dos pequenos, mesmo durante o filme. Hoje já temos alguns casos de famílias que, após a participação em algumas exibições, passaram a frequentar sessões regulares sem receio da reação de suas crianças. Principalmente devido a estes resultados, temos certeza de que estamos no caminho certo e que precisamos continuar”.