O dia 8 de março existe no nosso imaginário principalmente a partir de dois sentidos: aquele que traz a perspectiva de luta internacional das mulheres por igualdade de direitos, rememorando o massacre de 130 operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque, em 1911; e outro que utiliza o dia como plataforma para homenagens e celebrações, deixando em segundo plano a discussão sobre os desafios enfrentados pelas mulheres
As mulheres vivenciam todos os dias, conscientemente ou não, situações de violação de direitos, somente pelo fato de serem mulheres.
Tais violações marcam suas histórias mas não as resumem a isso: mulheres são força, resistência, potência e vêm criando e colaborando para que toda a humanidade tenha chegado até aqui. O problema é o custo dessa caminhada, sentida com muita dor, e a invisibilização de seu papel na contribuição histórica e cotidiana.
Uma mulher é morta a cada sete horas por ser mulher. Uma mulher sofre violência doméstica a cada dois minutos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil está em quinto lugar nos países que mais matam mulheres no mundo. Mulheres também são a maioria das trabalhadoras informais e desempregadas na pandemia: 8,5 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho no último trimestre de 2020. E esses são apenas alguns dados que expressam o tamanho da violência aos nossos corpos e à nossa existência.
O fato é que muitas violências que atravessam a vida das mulheres adultas já estão presentes no cotidiano das meninas. Eu costumo dizer que as meninas são as mulheres no começo de sua vida. Contudo, essa sociedade não as reconhece enquanto meninas, enquanto pessoas em uma condição específica de desenvolvimento.
As meninas são vistas como mulheres em miniatura e recebem tratamentos semelhantes àqueles dados às mulheres, sem que ninguém se espante ou questione a violência: é como se fosse seu destino começar a vida sofrendo.
Se falamos de assédio enquanto mulheres, as meninas também relatam que é perigoso andar na rua ou ir à escola. Desde pequenas, o assédio as incomoda e limita seus movimentos, muitas vezes impedindo também seu direito à educação. Lembro quando conversei com uma menina de Teresina (PI), que me contou faltar aulas todas as vezes em que o pai não podia levá-la até a escola, pois tinha medo do assédio nos bares localizados no caminho.
A ausência de mulheres em determinados espaços da sociedade está profundamente relacionada à falta de acesso à educação para as meninas.
A violência sexual interdita a vida das mulheres. Em 2018, o Brasil bateu recordes de estupro: foram 66.041 casos, em uma média de 180 crimes por dia; a cada 15 minutos uma menina com menos de 13 anos de idade foi estuprada (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Em 2019, 124 pessoas trans foram assassinadas: 94% mulheres, 88% negras e as notícias não nos deixam negar que muitas delas eram meninas adolescentes, mortas aos 15, 16 ou 17 anos de idade.
Precisamos compreender que o 8 de Março nos apresenta uma trajetória de violações de direitos que está presente desde o início da vida das mulheres.
É preciso uma análise urgente de gênero articulada à infância para que possamos entender as violências que meninas vivenciam simplesmente por serem meninas.
Precisamos também compreender que se queremos um mundo em que as mulheres ocupem todos os lugares, precisamos educar meninas para ocupá-los e eliminar as barreiras existentes ao longo de seu ciclo de vida que limitam suas oportunidades.
Em resumo, é urgente a prevenção à violência, o investimento em políticas públicas pela igualdade de gênero e a promoção de práticas de educação que liberem o potencial das meninas. Educação esta que compreenda e estimule seu interesse pelas ciências exatas e da natureza, que lhes permita desenvolver sua capacidade de escrita (e valorize seus escritos) e que mostre a importâncias de meninas e mulheres como sujeitas construtoras da história.
Que nenhuma menina seja proibida de fazer qualquer coisa por ser menina, que nenhuma menina seja obrigada a fazer qualquer coisa por ser menina.
Que as meninas possam crescer livres de violência, indo ao encontro do desenvolvimento pleno de seu potencial e que, quando mulheres, possam olhar para trás e não ver nada a não ser um caminho de realizações e crescimento rumo às mulheres incríveis que se tornaram ou se tornarão.
8 de Março: iniciativas sobre a situação das meninas no Brasil
- A pesquisa “Por ser menina no Brasil”, da Plan International, ouviu 1.771 meninas de 6 a 14 anos em todas as cinco regiões do Brasil sobre o contexto de direitos, violências, barreiras, sonhos e superações em que elas vivem.
- Para ter mais acesso a dados e conteúdos sobre políticas públicas voltadas para prevenção, redução e eliminação da violência contra mulheres e meninas na América Latina, conheça a plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas), do Instituto Igarapé.